Não aceites aquilo que ouves relatar, não aceites a tradição, não aceites uma afirmação só porque ela está nos nossos livros, nem porque está de acordo com tua crença ou porque foi dita pelo teu mestre. Sê uma lâmpada para ti mesmo.

Buda

Conforme a tradição budista, quando paramos para analisar atentamente o mundo, nossa reflexão é capaz de identificar quatro grandes verdades, universalmente válidas:

  • O sofrimento existe;
  • Esse sofrimento tem suas causas;
  • A cessação do sofrimento e o bem-estar são possíveis;
  • Existe um caminho para alcançar o bem-estar.

Essas verdades, também chamadas de Quatro Nobre Verdades, constituem o cerne da filosofia budista, e por se tornarem tão evidentes para quem as descobre, vão perdendo a necessidade de serem discutidas. Tornam-se, simplesmente, algo a ser praticado.

Por sua vez, quando falamos dos nutrientes do corpo e da mente, estamos falando de um aspecto central à Segunda Nobre Verdade. Identificar esses nutrientes diz respeito a delimitar com clareza quais são as causas de nossos próprios sofrimentos, qual o caminho ignóbil que os produziu.

Mais especificamente, aquilo com que nutrimos nosso corpo e nossa mente pode tanto nos conduzir à verdade seguinte – da cessação do sofrimento e da possiblidade do bem-estar –, quanto nos manter presos à verdade da existência do sofrimento, alimentando-o continuamente.

A decisão final aqui é sempre nossa. Daí a importância de reconhecer aquilo com que nos nutrimos e para qual direção tem nos levado.

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Os 4 Nutrientes do Corpo e da Mente

Viver não é somente se nutrir,
é, principalmente, saber o porquê
deve estar nutrido.

Joseni Caminha

Quando submetemos as causas do sofrimento e do bem-estar a um exame fundado na atenção plena, revelam-se diante de nós quatro tipos de nutrientes do corpo e da mente responsáveis por sustentá-las: alimento comestível, impressões sensoriais, vontade ou intenção e consciência

Cada um deles costuma ser absorvido das mais diversas formas por nossos corpos e mentes.

Portanto, defini-los e reconhecê-los é o primeiro passo para a constituição do encorajamento em direção à mudança e para uma transformação positiva no modo como nos nutrimos física, mental e espiritualmente.

O que é alimento para uns, para outros é um veneno amargo.

Lucrécio

Vejamos com mais detalhes cada um desses nutrientes.

1º) ALIMENTO COMESTÍVEL

Que seu remédio seja seu alimento, e que seu alimento seja seu remédio.

Hipócrates

Esse é o primeiro tipo de nutriente e também o mais fácil de identificar enquanto tal.

Entretanto, essa mesma facilidade não se repete ao reconhecê-lo como causa dos sofrimentos.

O grande desafio aqui é diferenciar o saudável do prejudicial, o que só é possível quando analisamos os nutrientes do corpo e da mente de forma atenta e consciente, sempre em dois níveis.

Um deles é o nível do consumo consciente, que preserva o bem-estar do nosso próprio corpo e mente.

O outro, é o nível da produção. Neste é fundamental analisar atentamente como produzimos nossos alimentos, em toda sua cadeia, para manter não só nosso bem-estar, como também o da coletividade de que fazemos parte e o de todo o planeta.

Buda utilizava uma história inquietante, porém poderosa, como metáfora do absurdo e do sofrimento gerados quando não há essa nutrição consciente:

Um jovem casal e o filho deles de 2 anos estavam tentando cruzar o deserto quando ficaram sem comida.

Depois de terem refletido profundamente, os pais perceberam que para sobreviver teriam que matar seu filho e comer a carne dele.

Eles calcularam que se comessem um tanto de carne do bebê por dia e carregassem o resto nos ombros para secar, teriam carne até o fim da viagem.

Mas toda vez que o jovem casal comia um pedaço de carne do seu bebê, chorava copiosamente.

Depois contar essa estória, Buda pergunta:

Queridos amigos, vocês acham que o rapaz e a moça saborearam o filho deles?

Eles prontamente afirmam:

Não, Senhor, seria impossível saborear a carne do próprio filho!

Ao que Buda responde:

Entretanto, muita gente come a carne dos seus pais, filhos e netos sem saber!

Segundo a tradição budista, esta é uma das principais questões relacionadas ao desenvolvimento do Darma: a vida vivida conforme a lei da harmonia e do equilíbrio universais.

Comer bem é bom. Nutrir-se bem é melhor ainda!

Cláudia Nascimento

2º) IMPRESSÕES SENSORIAIS

Eu nunca experienciei outro ser humano. Eu experienciei minhas impressões deles.

Robert Anton Wilson

Outro nutriente de nossas dores e de nosso bem-estar são as impressões sensoriais resultantes do contato entre nossos sentidos e os objetos por eles percebidos.

Todas as cores, formas, gostos, cheiros, sons, imagens e palavras que chegam até nós são alimentos que recebemos através das impressões sensoriais.

Esses nutrientes do corpo e da mente constituem tudo o que estimula nossos anseios pelas coisas do mundo, muitas das quais podem ser tóxicas.

Tóxico é tudo aquilo com que nosso corpo e a nossa consciência entram em contato e que suga nosso bem-estar.

É o que ocorre todos os dias, várias vezes ao dia, quando, por exemplo, entramos em contato com coisas que nos deixam irritados, ansiosos ou sem energia. Este é um claro sinal de que estamos alimentando-nos com toxinas.

Aqui, novamente, a atenção consciente nos permite saber se estamos ingerindo as toxinas do medo, do ódio, da tristeza, ou se estamos nos nutrindo com empatia, amor e compaixão.

Uma vez que estamos expostos a “invasões” de todos os tipos, a atenção plena atua como uma miríade de anticorpos mentais e espirituais que nos protegem dos objetos nocivos que podem nos adoecer ou contaminar.

Domine o silêncio interior e os sistemas sensoriais farão reverência à sua sombra..

Fernando Matos

3º) VONTADE

O meu corpo é um jardim, a minha vontade o seu jardineiro.

William Shakespeare

O terceiro nutriente – também chamado de intenção – é o desejo de obtermos as coisas que queremos. Dele surgem todas as nossas ações. Tudo o que fazemos é fruto da vontade ou da intenção, seja ela boa ou ruim, consciente ou inconsciente.

Se nossa vontade for dirigida, por exemplo, a sermos famosos e ricos, nossas ações serão orientadas para o que nossa vontade determinou, independentemente de sua verdade subjacente.

O mesmo acontece quando nossa vontade é direcionada à vingança em relação a quem, real ou imaginariamente, nos prejudicou. Dormimos e acordamos pensando nela. Criamos um apego profundo com a raiva e o ódio.

Portanto, quando irrefletida e objeto de pouca atenção consciente, a vontade torna-se um nutriente altamente tóxico, que nos impede de verificar claramente em que medida o que desejamos nos conduz realmente ao bem-estar. Ao contrário, ela nos prende e nos aprofunda no sofrimento.

Em decorrência disso, a vontade direcionada à conquista de falsos objetos compensatórios ou sustentada pelo desejo de sempre acumular – como a busca de altas posições sociais e econômicas, de vingança, riqueza e fama –, revela-se um obstáculo em vez de um meio para nosso bem-estar.

Em contrapartida, a vontade como um alimento saudável à mente e ao corpo surge quando cultivamos o desejo de nos libertarmos dos apegos destrutivos e das ações a que eles nos conduzem.

Analisar com atenção plena é o “antídoto” que nos proporciona o exame profundo da natureza das vontades, para verificar se elas nos colocam na direção da libertação, da paz e da compaixão, ou do ódio, do desprezo e da infelicidade.

A força não provém da capacidade física. Provém de uma vontade indomável.

Mahatma Gandhi

4º) CONSCIÊNCIA

Persistir na raiva é como apanhar um pedaço de carvão quente com a intenção de o atirar em alguém. É sempre quem levanta a pedra que se queima.

Buda

A consciência é o quarto nutriente gerador de bem-estar ou de sofrimento. Assim como os demais alimentos, pode ser saudável ou tóxica.

Sempre que consumimos coletiva ou individualmente alimentos como ódio, ressentimento e desespero, adoecemos envenenados.

Por outro lado, toda vez que, por exemplo, deixamos de participar de comunidades com esse tipo de consciência, ou de alimentar pensamentos individuais relativos a um passado negativo que sempre vêm à tona, damos mais um passo rumo à Quarta Verdade do bem-estar e da cessação do sofrimento.

Sob esse aspecto, Buda nos traz uma outra história impactante, mas muito esclarecedora, para ilustrar a força destrutiva que o apego a uma consciência tóxica carrega:

Assim começa:

Um assassino perigoso foi capturado e levado diante do rei, que o sentenciou à morte por esfaqueamento.

“Levem-no ao pátio e cravem trezentas facas amoladas”, ordena o soberano.

Ao meio-dia, um guarda lhe avisa: “Majestade, ele ainda está vivo”.

O rei, então, declarou: “Esfaqueiem-no mais trezentas vezes!”.

Ao anoitecer, o guarda novamente lhe informa: “Majestade, ele ainda não morreu”.

Então, o rei dá a terceira ordem: “Cravem as trezentas facas mais afiadas do reino”.

No final, Buda diz: É assim que nós geralmente lidamos com a nossa consciência.

Toda vez que ruminamos o passado, é como se estivéssemos nos esfaqueando novamente.

Por isso, em lugar de sintonizar nossa vontade ao “canal” dos animais e fantasmas famintos dentro e fora de nós, por que não sintonizar o “canal” dos bodhisattvas e Budas plenamente iluminados?

Aqui, mais uma vez, a ação plenamente consciente – desde o caminhar e o respirar em plena atenção, até a realização das atividades cotidianas com esse mesmo espírito – confere-nos o poder de cortar os laços que nos prendem ao pensamento compulsivo.

O resultado é o retorno da sensação maravilhosa de estar apenas no momento presente.

Observo meus pensamentos e só alimento aqueles que me fortalecem.

T. Harv Eker

Com Quais Nutrientes Você está Alimentando sua Vida?

Feliz aquele cujo conhecimento é livre de ilusões e superstições.

Buda

Esses são os quatro nutrientes do corpo e da mente que nos levam à cessação do sofrimento e ao bem-estar, ou ao seu efeito contrário. Agora que já os conhecemos, procure refletir:

Com quais destes nutrientes você está alimentando sua vida?

Para que caminho eles estão lhe conduzindo?

Para onde você quer ir? Aonde quer verdadeiramente chegar?

Sem dúvida, contemplar consciente e profundamente os nutrientes que consumimos, apesar de ser algo acessível a todos, não é uma tarefa trivial. Requer coragem.

Da mesma forma, ser capaz de responder sincera e conscientemente as perguntas acima implica autoconhecimento. Mas como nos diz a Terceira Nobre Verdade da tradição budista, alcançá-lo é perfeitamente possível.

A decisão final por um ou outro caminho, como sabemos, cabe sempre a nós.

Se esta é a busca em que você está realmente engajado e se deseja iniciar ou se aprofundar nesse caminho, conheça os cursos que podem ajudar você nessa direção. Você pode acessá-los aqui.

***

Texto adaptado do livro A Essência dos Ensinamentos de Buda, de Thich Nhat Hanh. Saiba mais sobre o livro.

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